O NÃO ÀS URNAS


Publicado em Zero Hora de 06 de agosto de 2014 em versão resumida. (Ilustração de Luciano Barbosa, capa do livro #Protestos, organizado por Antonio David Cattani (TOMO EDITORIAL)



Teríamos novidade na história da humanidade se os jovens encontrassem velhos preparados para entendê-los.

As primeiras pistas para se compreender o século XXI se apresentaram antes de sua chegada. Polícias de diferentes lugares tentavam em vão desmantelar uma “organização” que, de forma incompreensível para a racionalidade dos anos 90, agia sem que existisse. Na Frente de Libertação Animal (ALF – de Animal Liberation Front)  atuava quem quer que libertasse animais de cativeiros,  desde que seguindo determinados princípios (ser vegano, tomar precauções para não causar danos a seres vivos, entre outros). Assim, qualquer pessoa pode fazer parte da Frente por algumas horas e depois retornar à sua vida normal de estudante, funcionário público, professor, artesão, médico, operador de copiadora.  Com isso, a polícia não conseguia prender e, por mais que investigasse, não chegaria a líderes, porque se tratava de uma organização desorganizada, horizontal, sem membros e, portanto, sem líderes, sem necessidade de líderes e contra líderes por princípio. ALF, assim como outras iniciativas, não é senão um conjunto de princípios norteando ações focadas e esparsas em todo o mundo, não necessariamente por ativistas.

Essa é uma possível chave para compreensão dos movimentos atuais, que surgem de forma espontânea, cumprem objetivos pontuais, podendo se desfazer ou se manter indefinidamente com o caráter pulverizado, anônimo. A angústia provocada nos mais velhos pela falta de interlocução com um líder ou representante é compreensível, porque ainda se pensa com as ferramentas que serviam para analisar os movimentos sociais do século XX, deflagrados a partir da centralidade de um comitê organizador ou de uma liderança personificada. Era também a época pré-internet. Não só a polícia se confunde. Mesmo os analistas sociais têm imensas dificuldades de lidar com o ator social anônimo, autodeterminado, que tem como guia seu pensamento autônomo e livre, que ora aparece ligado a uma causa, ora a outra, dificilmente se vinculando a partido político.

Assim também o pensamento conservador, até mesmo de pessoas de esquerda, entende que o local de se manifestar é na urna, e não na rua. Porém, como há muito se percebe, a urna não pode tanto assim, pois mudanças estruturais, por estratégias eleitoreiras ou sob o argumento da governabilidade, não decorrem espontaneamente da política partidária.
Daí o esvaziamento do interesse por eleições em determinadas camadas juvenis, justamente entre os jovens mais vinculados ao seu tempo e às novas causas. Por terem deslocado o interesse das urnas para as ruas e para ações práticas, eles são acusados de antidemocráticos: a velha lógica binária ressoou nas mentes dos analistas, pois, se não querem mudar no voto, devem querer a volta da ditadura.

Nesse contexto, mesmo os governos ditos populares foram capazes de adquirir blindados, a um custo superior a um milhão e meio de reais cada, para jogar água, marcar manifestantes e eliminar protestos de rua.

Estamos no início do século. Ele talvez seja marcado pelo fato de que mais pressão nos eleitos e menos preocupação com quem eleger é uma estratégia em tempos em que os partidos fazem questão de se mostrar confusos e pouco comprometidos ideologicamente.