João Manoel Maldaner Carneiro *
Aclamada
como a maior feira do livro ao ar livre das Américas, a Feira do Livro de Porto
Alegre chegou à sua 56ª edição. Pujantemente, graças a um trabalho de preparo
que inicia antes mesmo de uma edição terminar e ao trabalho exaustivo durante 18
dias, como foi neste ano. Por sorte, conta com uma equipe que não se queixa de
trabalhar, e trabalhar cada vez mais.
Mas a Feira do Livro erra.
Erra por
dois motivos: porque, como é chavão dizer, é construída por humanos e, outro
chavão, porque não é possível agradar a todos. (Se não crescesse, seria um
presságio do seu fim. Ao crescer, perde sua característica de paroquial. Se o
setor de alimentação ganha destaque, espanto. Se a alimentação fica em plano
secundário, lamentos. Se os eventos culturais, todos gratuitos, ampliam-se,
teme-se pelo lado comercial e, afinal, é uma Feira de venda de livros. Se há
preocupação com vendas, é o domínio do capital. Já se leu até sugestão de que
deveria acontecer em espaço privado e fechado, como em outras capitais, onde se
cobram ingressos e se respira ar condicionado.)
Acontece
que a Feira segue e é um espaço de resistência do escritor, do livreiro, do
editor, do distribuidor e do leitor.
A
diretoria da Câmara Rio-Grandense do Livro, entidade que presido juntamente com
companheiros aguerridos não remunerados e que, entre outras atividades de
fomento à leitura, realizadas durante todo o ano, organiza a Feira do Livro, se
ressente do pouco tempo que tem para refletir sobre seus fazeres. Em um dia
destes de tempo escasso, topei com uma chave de compreensão da Feira do
Livro. Foi durante um almoço que só ela
sabe fazer, que a senhora Waskievicz declarou: no ano que vem, tiro minhas férias no período da Feira para poder
participar de todas as atividades. Declaração feita, discorreu sobre as
palestras, oficinas e demais eventos de que tinha participado nos seus fins de
semana de folga.
Como ela,
milhares de pessoas passam anonimamente, delicadamente, pela Feira. Pessoas não
movidas por outros interesses que não o contato com o livro e seu livreiro, com
o livro e seu escritor, com o livro e outros leitores, que vão até lá ver com
seus próprios olhos e escolher o que querem para si. Que guardam este grau de
independência e de julgamento que, às vezes, penso, os simples conseguem ter
sem precisar refletir. E, além deles, alguns autores que escrevem sobre estas
pessoas, como Autran Dourado, que é quem me veio imediatamente à cabeça. Ou
Anibal Machado ou Simões Lopes Neto e tantos outros, a lista seguiria longa.
Enfim, escritores que captaram a forma de ser, doce e honesta, das pessoas
simples. Das pessoas que trabalham o dia todo e na sua folga correm à Feira. Sempre
que a Feira não dedica atenção máxima a este seu frequentador, que quer tirar
proveito da Feira ao encontrar nela um livro que o encante, a Feira erra. É nele que este evento encontra sua razão de
ser.
A Feira encontra sua razão de ser na moça, no menino, na senhora, no idoso, que penetram anônimos, esgueirando-se entre as bancas na busca de um livro que "caiba no seu bolso" e o transporte deste para outros mundos. De princesas ou de assombros, de monstros ou de anjos, de vampiros ou de viajantes, mundos com personagens com quem se identificam, com personagens que nada têm a ver a não ser com desejos secretos. Não cabe a ninguém dizer que esta ou aquela escolha é a mais válida; isso seria censurar a razão de ser da Feira.
A Feira encontra sua razão de ser na moça, no menino, na senhora, no idoso, que penetram anônimos, esgueirando-se entre as bancas na busca de um livro que "caiba no seu bolso" e o transporte deste para outros mundos. De princesas ou de assombros, de monstros ou de anjos, de vampiros ou de viajantes, mundos com personagens com quem se identificam, com personagens que nada têm a ver a não ser com desejos secretos. Não cabe a ninguém dizer que esta ou aquela escolha é a mais válida; isso seria censurar a razão de ser da Feira.
A Feira
do Livro tem, com seu público, a responsabilidade de apresentar o melhor do
livro e da leitura, por meio dos melhores representantes da literatura, das
mais diversas origens e segmentos, da literatura oral, da academia, escritores
de primeiras obras, de obras-primas também, manifestações artísticas, a face
cultural de nossa cidade. É a autonomia do leitor que fará as escolhas.
Qualquer
porta pela qual nossos anônimos leitores entram na literatura e entabulam seus
primeiros encontros com as letras é, para nós, sagrada. Não apenas porque, na
Feira do Livro, pasmem, vendemos livros, mas porque temos a sorte de
comercializarmos um bem que tem efeitos imensuráveis na alma.
A Feira continuará
existindo para esses frequentadores e é a eles que dedicamos cada uma das
edições da Feira do Livro de Porto Alegre, passadas e futuras, a eles e a seus
iguais, dedicamos toda nossa energia.
Presidente da Câmara Rio-grandense do Livro.
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