Osga




Osga: do Ár. usga
s. f., Zool., réptil sáurio;
pop., grande aversão;ódio;asco.



A aluna olhou para a minha mesa e perguntou: Professoraaa! Está praticando levitação? Por um segundo, o corpo ficou tremendamente leve e foi como se pairasse um ou dois centímetros acima da borracha preta, ainda que por sorte ninguém tivesse notado, nem mesmo a Carol. No lugar de afirmar: sim, eu levito - há anos que levito uma ou duas vezes por semana (o que pouco surpreenderia meus alunos que parecem dispostos a aceitar qualquer esquisitice que parta de um professor da área de humanas), respondi: não, minha querida: Manual Prático de Levitação é o título de um dos contos e dá nome a esse livro do escritor angolano José Eduardo Agualusa.

Levitei porque me transportei de volta às férias. Não fomos à Paraíba. Mas ao Sri Lanka, Angola, Inglaterra, França e Estados Unidos. Assim, levitando, isto é, lendo. Bandeiras Pálidas, O Vendedor de Passados e Estação das Chuvas, Como ser Legal, Trópico de Câncer e Fup foram as minhas passagens, todas de primeira classe, tendo podido escolher viajar na rede, com refeições veganas e sem precisar apertar cintos. A comparação ler-viajar é gasta, sem deixar de ser boa.
Com Agualusa aprendi a gostar mais ainda das osgas (que eu só conhecia por lagartixas, no Nordeste, por calangos). Não que gostasse delas por conta do argumento batido e tão especista: porque “controlam” insetos. Até preferiria osgas vegetarianas. Mas Eulálio, a osga-narradora do Vendedor de Passados, em meio ao lirismo, faz refletir sobre temas acadêmicos, como memória e reconstituição histórica, além dos psicanalíticos. Só que uma página do romance = dez teorias em setecentas páginas, com a diferença de que muito melhor do que cada uma destas. Além disso, durante uma semana pude assumir a perspectiva da osga para acompanhar e amar uma casa e seus freqüentadores, na tristeza de vencer as páginas e saber que em breve perderia todas aquelas pessoas, sem controlar a ânsia de saber o que mais aconteceria a elas. E se um autor como Agualusa escrevesse uma obra sem fim, uma seqüência de livros, que pudéssemos ler ao longo de uma vida e que apenas terminasse no dia da nossa morte? Carol, eu levitaria para sempre !



Bandeiras Pálidas - Michael Ondaatje (Companhia das Letras)
O Vendedor de Passados - José Eduardo Agualusa (Griphus)
Estação das Chuvas - José Eduardo Agualusa (Griphus)
Como ser legal - Nick Hornby (Rocco)
Trópico de Câncer - Henry Miller (Ibrasa)
Fup - Jim Dodge (Nova Fronteira)